terça-feira, 22 de novembro de 2016

Diário de Guerra



DIÁRIO DE GUERRA
SGTa. BATRIANA

Camelos e Dromedários já não brigavam como antes. Depois da Terceira Grande (e confusa) Guerra das Corcovas muita coisa mudou, ou muita coisa deixou de ser importante. Não dá pra dizer exatamente se passaram a se aceitar, seria uma conclusão equivocada. Tolerância também não é o termo correto. Ainda não fizeram uma palavra pra isso, talvez ninguém tenha interesse pra esse neologismo.

A 3ª Gerra não acabou com rendições ou com algum tratado de paz. Simplesmente não havia sentido mais nas disputas pelas rotas, pelos territórios ou pela tecnologia. Empatia? Não mesmo, talvez descaso.

A pirâmide de Camaslow perdeu o sentido, afinal qual era o propósito? Aos vencedores quais seriam as recompensas entre os espólios? E aos vencidos, qual a perspectiva? Autoestima e realização são conceitos tão distantes agora.

Eu me lembro quando larguei minha arma e desertei. Havia desmaiado por exaustão e acordei com vários dromedários passando por mim. Adultos e filhotes, eram muitos. Tive aquele susto seguido por um alívio pois estava certa de que seria morta e já não aguentava mais. A verdade é que estavam cagando pra mim. Os filhotes me apontavam, mas os adultos só balançavam a cabeça com quem diz "já vi". O sentimento seguinte foi confusão, pois o misto de medo e alívio tinha passado. Por que não estou presa? Por que não estão ligando? Estava fardada, armada, pronta pra matar aquela sub-raça maldita, bando de vacas fedidas, são tão burras que não sabem que estamos em guerra?! Corri pra arma e nenhum dos dromedários ameaçou reagir. Congelei, eles não tinham medo, nos primeiros dias pensei que era algum tipo de jogada que tinham feito comigo, que era um blefe. Alguma coisa meio evangelística com aquele tanto de filhote pra eu me sensibilizar e trocar de lado ou algo assim.

Hoje quando me recordo desse dia percebo que os olhares não eram de blefe "duvido que atira" ou de alguma estratégia psicológica, na verdade eram olhares de "atire ou não, que diferença faz?". Segui o pequeno grupo como uma astuta batedora, achando que uma hora eles iriam agir, mas ninguém agia. Deixei que me notassem várias vezes e nada. Um filhote morreu, pouquíssima comoção. Ele já estava doente e na zona de guerra que estávamos não tinham condições de assisti-lo. Eu até me simpatizava por civis na guerra, mas ali não senti nada. Afinal, qual o propósito?

Qual era o sentido em ser a espécie dominante? Nem carne de dromedário a gente come, nem de escravos precisamos. O planeta estava chegando no clímax de sua evolução. Não fossem as guerras já nem saberíamos mais o conceito de labor, teríamos tudo que precisássemos em equilíbrio e sem disputas. O sonho de muitos pensadores de espécies extintas estava pra se cumprir. Mas decidíamos sempre estragar tudo dando a vida em trincheiras. 

Aprendemos desde filhotes o ciclo da vida, que somos mais que um imenso agrupamento de carbono com vários estômagos. Temos um chamado, algo grande para cumprir, algo para fazer Camelus Colossus se orgulhar. Alguém que ninguém nunca viu mas que nos mandou matar os infiéis mutilados. Mesmo que você resolva ser um camelo infiel, boa sorte com isso, não irá muito longe também. Há milhares de anos evoluímos para esse estado autoconsciente nos apegaríamos em que? Somente na proposta biológica do ciclo das coisas já não dava mais, isso é coisa pras vacas. Sublimar virando energia? Mudar o mundo? Mudar pra quê? Pra quem? Parir mais camelos? Por quê?

Quando foi perdendo o sentido em ser melhor dançarino ou dançarina de Patira nos restou tentar ser os melhores soldados. Estávamos em looping e presos na mesma miséria com temas diferentes. As antigas espécies dominantes antes da Grande Seca tiveram seus grandes estágios de consciência e isso não evitou o colapso. Talvez isso seja a causa. MUTILADA QUE O PARIU, como uma guerra se dilui assim sem realmente acabar?!

Passei a evitar minha própria espécie, no começo para não sofrer a pena capital de deserção, era um medo bobo, ninguém estava se importando. Hoje evito minha espécie para evitar mais uma ilusão ou ser vítima de mais uma barbárie. O planeta sitiado como uma ficção distópica mas por um motivo que ninguém esperava: apatia. Antigos livros de sacerdotes Camelus falavam de uma grande depressão. Apostas de novas grandes secas, dilúvios, guerras exterminadoras, rebelião tecnológica, ditaduras e outras teorias teológicas e científicas. Mas quem poderia imaginar que a grande depressão seria assim?


Éder dos Santos Silva, 2016


segunda-feira, 24 de agosto de 2015

A origem

Quando eu tomo ácido eu escrevo esse tipo de coisa. Um dia vira livro.

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Já tinha começado a revolta dos carrapatos bem na época. Eles queriam que o hospedeiro parasse de comer aquele lixo feito de osso de vaca e voltasse a comer carne.

A embalagem é tão bonita, mostra aqueles pedaços de bife bem vermelhos dá até pra sentir o cheiro, mas Nine-x, o profeta carrapato, já tinha contado pra colônia Totó inteira que era mentira, tudo osso prensado.

Fazia sentido, eles sabiam a diferença do gosto da carne pra ração. Na verdade, sabiam a diferença do gosto do sangue do Totó. Ele comeu carne duas ou três vezes na vida, num ritual estranho em que os bípedes vestem pouca roupa,  bebem um líquido amarelo largam o forno e recorrem ao fogo in natura. Parece um ritual em homenagem aos antepassados.

Nesses rituais sempre sobra alguma coisa pro Totó, todo mundo está bem humorado. E nesse momento de regozijo que a festa ficava boa para os carrapatos, sangue vinha mais consistente, mais forte, mais vermelho, Totó se coça e come mais com todos os bípedes querendo dar um agrado.

Eles queriam mais, queriam o melhor. Nine-X reunião todos no salão principal abaixo da orelha esquerda, mais no sul do país contam a história como se fossem orelha direita, regionalismos..

Lá decidiram ameaçar Totó, queriam independência, que largasse os bípedes voltasse para selva e reencontrasse seu instinto primitivo da caça, queriam provar outros tons de rubro.

Foi uma assembleia quase unânime, houve apenas um voto contrário, BigShitter, sempre ele. Alegou que isso poderia desencadear velhas profecias, e que a domesticação dos caninos tinham uma razão par ter acontecido no passado evolutivo. Mas qual razão era essa? Não soube falar.

Daí em diante foi tranquilo, existe um sistema de revezamento nas refeições a ideia é não matar a colônia, não matar o Totó. Qualquer coisa que quisessem era só desfazer o rodízio e morderem todos de um vez condicionando horas de alívio quando o canino faziam o que queriam e horas de agonia quando não fizesse.

Toda demonstração de conforto com bípedes e com cidades era cruelmente repreendida, toda fuga para qualquer tipo de mato ou algo verde era recompensada com um temporário jejum. Estavam isentos carrapatos velhos e recem nascidos que mantiveram seus horários de alimentação. BigShitter na primeira tentativa de furar o movimento, foi lançado a própria sorte, fora do hospedeiro, Nine-X teve notícias que Big que se arranjou em um rato.

Em um mês o plano deu certo, Totó estava na floresta, ou em algum parque no centro da cidade, já que havia muitos pombos no lugar. Começou a recusar comidas processadas e fome apertou,  sabe o pombo? Pois então começamos ali, micos filhotes, pequenos roedores e outras coisas do tipo.

Achavam que intensificando a terapia iriam provar animais maiores e gostos diferentes. Não se contentaram com aquilo. Mas havia um limite psicológico que não acreditavam existir, não trataram o hospedeiro com um ser com necessidades até mesmo sociais. Totó um dia comeu um mendigo, e essa é a história do primeiro Lobisomen. 

Éder dos Santos Silva 2015

sábado, 27 de junho de 2015

Síndrome de Underground!

Agora é um puro papo de boteco, sem pesquisas ou algum pensamento mais elaborado por trás, só vontade de trocar ideia sobre a síndrome.




Ainda gosto de observar os comportamento dos amigos e dos colegas, os que sobraram na lista é claro, e nessas observações reparo coisas legais. A mais interessante dos últimos dias tem sido a síndrome do underground. Sabe aquela galera que fala "eu curtia essa banda antes de ser modinha"? E falam isso esperando algum tipo de troféu sei lá. A questão é: se deixar o cara nem bebe água porque tá todo mundo bebendo.

Olhem o Justin Bieber, o cara fez sucesso com  um vídeo caseiro praticamente criança, e a vida dele mudou de uma hora pra outra, daí os mesmos  que compartilhavam aquele vídeo caseiro dizendo "olha esse garoto, que talento, vai fazer sucesso um dia" tempo depois estavam xingando o cara porque ele fez sucesso, gravou música para adolescentes, com letras condizentes com a idade de seu público. Seguidores de Felipe Neto, o rei dos undergrounds dessa geração. Tá certo que ele vem fazendo um monte de burrice agora, Bieber não sabe onde enfiar dinheiro e vai acabar comprando um país pra ele só pra não ser preso mais. Mas mesmo antes de surtar ele já era odiado, porque? Inveja? Odiadores de mainstream? Não sei ao certo mas o fenômeno existe.




Outro caso legal, é dia de final de campeonato nas redes sociais, metade ama e a outra metade ama odiar o fato de alguém amar, hehe, melhor definição. O mesmo acontece com opiniões sobre o programa Big Brother, odiadores fazem mais propaganda do que quem gosta, mas assistiu alguma vez na vida alguma edição, na época que ninguém entendia direito o que era aquilo, ops, na época que era underground.

Alguém morre, as pessoas ficam tristes, aí tem alguém pra te lembrar que é errado chorar pelo fulano já que o ciclano era mais importante na visão dele. Ou seja, é proibido ficar triste pelo motivo da moda. E o mais legal, o cara tem que dizer isso, não consegue ficar calado, ele tem que falar que você é burro porque é maioria. Pra justificar vem as citações de boteco "toda unanimidade é burra" e outras mais. Como se citar fosse argumentar, parece uma grande igreja em que os fiéis brigam com versículos descontextualizados.

O último momento observado foi a questão da liberação do casamento homo-afetivo nos EUA. É simples entender porque isso foi importante pra car#$@o. O país que é a maior referência cultural saiu da idade média, isso vai ter efeito em cadeia, claro que vai. O assunto volta a tona onde estava esquecido e a vida de muita gente vai melhorar. Mas o underground vai dizer algo do tipo "tem tanta gente passando fome na África" eu adoro essa citação da África, a maioria nem sabe onde fica e alguns juram que a Jamaica fica lá. Como se ele parasse a vida dele pela África, como se justificasse todos os problemas serem abandonados porque achamos outro que o underground julgou prioridade. Outra típica foi "no Brasil o gay se casa desde 2013 e ninguém fez festa, agora estão babando ovo pros EUA", na verdade já em 2011 havia a união estável e teve festa demais só que o Facebook (me refiro a empresa aqui, não aos usuários) não ligou muito. 

Foi tão importante essa data de 2011 que eu me lembro exatamente onde eu estava o que pensei e com quem conversei a respeito, assim como todo mundo se lembra onde estava no 11 de setembro. Lembro que na época, ainda cristão, gostei da notícia, e me senti livre de alguns dogmas ao me expressar sobre isso. Paguei o preço, outros cristãos me questionaram mas eu já estava trilhando meu próprio caminho quanto a fé que já não mais me servia. 

Lembro que muitos questionaram que o STF, no Brasil, estava dando uma carteirada e não estava sendo constitucional. Mas cara, na boa, eu lembro de ler demais naquele momento sobre o assunto e concordo que não era a coisa mais 'legal' a se fazer,  mas ante um congresso covarde que até hoje não teve coragem de votar e regulamentar isso, o que a comunidade LGBT deve fazer? Jogar no lixo a conquista? Tem mais é que celebrar e fizeram isso. O underground nem se lembra da festa, nem do dia só quer ser diferentão.

Outra coisa que vi foi a perseguição a quem critica ou criticou um dia o imperialismo dos EUA, já que essas não devem celebrar avanços do Tio Sam. A pessoa é burra ou quase, pois se seres humanos daquele país conquistaram algo por que eu não posso celebrar? A galera não entende que direitos humanos são para humanos e não para o grupo que eu goste ou algo assim. 

E pra terminar, trocar a foto do perfil por uma colorida  foi quase um crime, lembro da galera que se divertiu com uma pegadinha da girafa uns tempos atrás, e chegou o diferentão pra criticar. Cometi quase um homicídio pela reação dos críticos ao deixar o Seiya colorido. 



Então todo mundo é obrigado a seguir o efeito manada? Jamais, somos livres, critique o que quiser, sem contradições e contraposições não há evolução. O que eu fiz foi só parar para analisar se tudo que eu falo tem realmente sentido ou se de vez em quando me escapa um momento "mamãe sou underground". Essa reflexão que fez diminuir drasticamente minhas interações em debates tanto ao vivo quanto virtualmente, ainda sou um grande chato, tô sabendo, mas tenho mudado minha forma de ver as coisas.

Segue a melhor opinião que li ontem, a fina ironia da UDR.

quarta-feira, 11 de março de 2015

Contra Cultura

Onde conseguimos encontrar pedaços de contra cultura hoje? Na fraca sociologia ensinada nas escolas só falam de Woodstock e olhe lá. Ultimamente tenho achado interessante entender como essas manifestações se dão. Não me tornei nenhum "tudo é lindo" ainda, acredito sinceramente que sou chato demais para achar tudo lindo. Mas acho quase tudo no mínimo interessante.




Como gosto demais da conta de filmes, esses novos conhecimentos têm vindo através da linguagem que mais me atrai na terra. Depois de assistir umas entrevistas e uns vídeos marginais na interwebs me deparei com o documentário Pixo.

Mostra uma história bem interessante e um pouco complexa sobre a reorganização dos espaços urbanos e que o pixo não faz a menor questão de se tornar grafite. É interessante porque a forma como a mídia trata os dois conceitos faz parecer que o pixador sonha em um dia jogar na seleção dos grafiteiros e eles não dão a mínima pra isso.





O documentário mostra desde lendárias pixações da época da ditadura às pixações sem o menor sentido conceitual, mas apenas estético. Não passei a gostar ou a respeitar o movimento, mas passei a entender, acho que informação nunca é demais e me senti menos burro depois disso.

Outro movimento interessantíssimo e esse sim eu tenho medo de um dia me juntar a eles é a galera que se denomina Malucos de BR ou de Estrada ou só Malucos mesmo. A primeira coisa interessante é sacar que não se consideram hippies, hein? Como assim, vendem artesanato na praça e não são hippies? Pois é, esse é um dos vários choques que tive assistindo o Filme Malucos da Estrada - Cultura de BR. Eu fico encantado com a parte boa, com as tretas, com a parte marginal de todo o movimento, um universo do meu lado que eu desconhecia. Na boa dá vontade demais de ser Maluco, sério, se você tem alguma tendência pra fugir do sistema, algum tipo de exaustão corre um sério risco de se tornar um Maluco assistindo o filme.

Você encontra ele inteiro já no Youtube, foi um projeto que levou um tempinho mas finalmente ficou pronto e como não poderia ser diferente está aí, de grátis, na interwebs. Sei lá, vou por na minha lista de coisa que um dia vou virar maluco nem que seja temporário, se bem que acho difícil ter volta depois que o cara toma gosto por ser livre e não ter que dar satisfação pra ninguém.



O projeto é mantido pelo coletivo Beleza da Margem e trabalham com doações da galera para financiar os projetos, esse longa-metragem mesmo foi fruto de um financiamento coletivo, vale a pena conhecer o trabalho. Contribui também e não me arrependo, o resultado foi excelente. Enfim, assistam, é massa.

segunda-feira, 2 de março de 2015

Lovelace


Se aproxima o 8 de março mais uma vez, o dia internacional da mulher. E mais um ano eu adoto momentos de reflexão que tenho trocado pelas flores e os parabéns. Afinal qual o sentido de parabenizar alguém por ter nascido mulher ou por ter se percebido mulher? Deixei de ver sentido nisso, acredito que os parabéns vêm de um prêmio de consolação de quem acredita que estão presas ali em papéis que impusemos e damos os parabéns por se encaixarem bem nos estereótipos que nos agrada.

Daí esse ano quero falar desse nome em especial: Lovelace. A primeira a fazer história com esse nome foi Ada Byron, sim ela era filha do Lord Byron o poeta fodão que no meu ensino médio era idolatrado pelos professores e professoras de literatura. Me desculpem os poetas mas Ada é a Byron mais importante pra mim, não sei o quanto seu pai mudou o mundo mas é difícil concorrer com Ada.



Ada Lovelace, passa a ser conhecida assim por conta do título de Condessa de Lovelace, sem ela talvez você não estaria lendo isso, ou não estaria lendo dessa forma. Ela é considerada a primeira programadora e a primeira a descrever o funcionamento de um algoritmo/software na história. Bizarro saber que hoje o mundo da programação que é predominantemente masculino teve sua gênese em uma mente feminina. Essa ironia histórica me encanta, Charles Babbage que desenvolveu a primeira máquina programável pediu a Ada que traduzisse uma de suas palestras para o idioma inglês. Ela fez, porém com as famosas notas de tradutor, essas notas que deram margem para estudos e evoluções daquela linguagem de máquina.

Acho sensacional saber que todo esse mundo de softwares, aplicativos, hackers, cyberbullying, anonymous e o baidu se instalando sozinho no seu computador, começou ali com uma escritora e matemática do século XIX. Então galera, antes de idolatrar Gates, Jobs e Zuckerberg vamos dar uma meditada sobre o quanto esses caras realmente revolucionaram a tecnologia ou simplesmente são gênios do business apenas. Tem muita gente mais anônima e mais importante para a evolução da tecnologia que esses três aí.

Outra Lovelace cuja história tira lágrimas é Linda Susan Boreman que adotou o nome artístico Linda Lovelace no lançamento do seu primeiro filme na década de 70. Vamos dividir sua importância para a humanidade em duas partes.


A primeira parte é o lançamento do seu primeiro filme Garganta Profunda (Deep Throat - 1972). Por que esse filme pornográfico é tão importante para a humanidade? Foi o primeiro filme da história a passar em cinemas convencionais, o primeiro a ter status de filme comercial. Casais assistiam juntos nas salas de cinema, sim, virou programa de família. Até essa data as formas de se ter prazer no sexo eram um tabu gigante, se você pensou "até hoje é um tabu" então imagina 40 anos atrás! 


O sexo oral principalmente, tema do filme em questão, era visto como coisa de gente depravada ou de profissionais do sexo, pessoas "de família" não faziam essa aberração com a boca. Muitos sexólogos, antropólogos e psicanalistas hoje atribuem essa revolução na cama, essa liberdade de sentir prazer no ocidente ao filme e ao que ele causou nas mentes da época.

O mais interessante é que se trata de um filme de humor também, talvez por isso conseguiu entrar nos cinemas e nas casas mesmo com todo o sexo explícito. Então se você hoje não tem pudores entre quatro paredes agradeça a Linda Lovelace que tinha um talento especial e teve um roteiro totalmente adaptado para suas habilidades sexuais. Eu assisti, mais de uma vez, é bom mesmo. Ela fez outros filmes mas não teve nem de longe o mesmo impacto, ela partiu para o softporn (tipo Emmanuelle, deus a tenha) e com roteiros mais pastelão a sensualidade ficou de lado. Garganta Profunda 2 por exemplo fala de guerra fria, é uma bosta de filme, também vi esse.

Mas Linda não tinha terminado sua missão na Terra. A segunda parte que eu prometi é a mais chocante. Linda conseguiu se separar do marido e começou a trilhar seu próprio caminho, até que resolveu contar toda a verdade. O traste que chamou de marido por anos estava mais para um cafetão que a vendeu de todas as formas que ele conseguiu e sempre que ela se recusava lhe dava uma surra para lembrá-la de como funcionam as coisas nesse mundo.

Uma das cenas em Garganta Profunda dá pra ver sua perna roxa, ela apanhou um dia antes por resistir ao trabalho de atriz pornô, afinal ela era de uma família tradicional e isso a chocava bastante. Você consegue ver a marca na foto abaixo, lembro de que quando vi a cena pensei até que a marca teria alguma história, que a personagem falaria algo sobre, mas depois descobri que a marca não era da personagem. Ou seja, o filme que gerou uma das várias revoluções sexuais no planeta é praticamente um estupro, ou eu estou exagerando?! Meditemos...


Nos anos 80 ela se tornou uma militante que denunciava principalmente a indústria do sexo e as relações de escravidão que lá existiam. Escreveu livro, ministrou palestras, foi a programas de TV e tudo mais. Por seu sucesso estrondoso como atriz teve seu espaço na mídia posteriormente para falar do que achava importante. Ela morreu em 2002 num acidente de carro e em 2013 lançaram um filme biográfico chamado Lovelace, se recomendo? Demais da conta, mesmo achando uma filhadaputagem enorme terem esperado ela morrer pra fazerem o filme.

E é por isso que Linda Lovelace é tão surpreendentemente importante na luta pelos direitos humanos e pela equidade dos gêneros, ela primeiro fez parte de uma revolução sexual depois lutou contra os abusos e a favor da liberdade da mulher, mesmo que essa liberdade fosse dentro da indústria pornográfica (por que não?).

Que esse ano o dia internacional da mulher seja mais reflexivo e menos besta, que nomes como Lovelace estejam sendo pronunciados nos milhões de solenidades pelo mundo.