quarta-feira, 11 de junho de 2014

Promessas

 

Vou tentar explicar a existência do item 280 da minha lista que é "não fazer promessas em tempos de crise". Tudo começa na infância, estudava em um colégio religioso e de disciplina rígida. Eu sempre fui de ficar quieto, não era de aprontar, na época não tinha consciência direito de certo e errado mas por ser introvertido preferiria a morte a ser exposto em público como 'menino mau'. Comecei então a reparar como alguns arteiros saiam do problema, tinha um ritual que todo funcionário da escola seguia quando flagrava uma criança levada:

1- Peça desculpas
2- Se possível desfaça o que fez ou compense o ato.
3- Prometa que nunca mais vai fazer isso.

O problema é o item 3, quem em sã consciência não faria o 3? Se você já tinha atropelado seu orgulho no 1 e no 2, então, chegar no 3 é praticamente um alívio é tipo um "você já está se safando, só falta isso". A maioria dos que testemunhei não abandonavam a ViDa LokA de roubar toddynho no recreio e nem se lembravam da promessa feita.

Um pouco mais velho, aos 13 anos, aconteceu uma celebração de natal na nossa casa, meu avô providenciou algumas garrafas de espumante bem barato para estourarmos e sujarmos o chão, sério a intenção não era beber era fazer bagunça mesmo. Mas eu estava fissurado em saber os efeitos do álcool. Meu pai então cansado de proibir e dar broncas adotou outra tática, não apenas permitiu como encheu meu copo (não tínhamos taças ou não confiaram taças às crianças, não me lembro). Bebi tudo e papai encheu novamente. Lembro de ter ficado bom somente uma semana depois na festa da virada de ano. Não fiquei bêbado, alegre ou algo do tipo, só fiquei sonolento e com a cabeça doendo horrores. Lembro de ter feito não somente uma vez mas várias vezes a promessa clássica "nunca mais bebo na minha vida", meu pai com aquele sorriso no rosto do tipo "missão cumprida".

Essa promessa durou por mais de década mas acabou caindo por terra, até ganhar adega eu já ganhei. Fiz a promessa no pior momento, quando a cabeça parecia prestes a explodir. Um dia ela perde o sentido tanto é que perdeu.

Um dia um cara se identificou como pesquisador e pediu para entrar na minha casa, deixei ele entrar e no fim percebi que não tinha nenhuma estatística sendo feita, era uma venda de enciclopédia. Resultado, depois de 1 hora ele já tinha chorado e me envolvido numa campanha em que se vendesse aquele último produto sua vida de ex-menino de rua teria uma guinada através de uma ONG que nunca ouvi falar. Era uma coisa absurda: 10 parcelas de 20% do meu salário numa época em que 70% já estava comprometida com um carro. Sim, eu fiz essa burrice. Dois dias depois desfiz. Representantes da ONG me odiaram e até hoje tenho dúvidas sobre aquilo. Fiz uma promessa estúpida que teria problemas em honrar, totalmente envolvido pela emoção e oratória do cara e sem nenhuma convicção de que o tal projeto existia. Eu recebi um número de telefone em Salvador, liguei um dia inteiro e sem sucesso, era o que faltava pra eu sair correndo e pedir os cheques de volta.  

Na faculdade (em uma das 5) foi recomendado um livro em que o autor contava sua prática de não tomar decisões difíceis com pouco tempo para pensar no assunto, quando não lhe davam prazo a resposta automática já seria "não, obrigado" por mais tentadora que fosse a proposta. Claro que eu aprendi a lição e quando eu abri minha empresa em uma das primeiras compras gastei o dobro do valor que um equipamento valia pressionado por uma ligação dizendo "decide logo pois só vai rolar se for hoje". Como assim? Amanhã todos esses equipamentos serão apreendidos pela Otan? E mais uma vez sob pressão tomei uma decisão que me lascou de várias formas.

Por isso que segundo turno de eleição é a coisa mais absurda em termos de campanha, o cara chegou até ali, vai prometer até a mãe se for preciso. Dá até preguiça quando precisa de desempate, as apostas são altas e ninguém consegue pagar a conta depois.

Percebo que não apenas prometer mas pressionar para ouvir uma promessa não vale a pena. Grandes decisões em tempos de crise podem aumentar a crise. Até nossa lei sabe disso, se estivermos em estado de emergência ou algo do tipo não podemos ter emenda constitucional e o princípio por traz disso é o mesmo. Países que estão passando por alguma calamidade não deixam suas crianças serem adotadas por estrangeiros pela mesma razão (vide Haiti depois do último grande terremoto).

Enfim, precisei viver quase 3 décadas para acreditar em um dos mais antigos clichês: calma, conta até dez. 

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